Blog do Emanuel Mattos

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Um conto metalingüístico *

Ilustra o conto o curta-metragem metalingüístico "Aceita mais café?" (abaixo) dirigido por Byron O´Neill em 2004. Elenco: Byron O´Neill, Gisele Werneck, Grace Souza.



* Conto de Wagner Fornel, publicado em maio de 1992, quando era
redator da Heads Propaganda, em Curitiba.

Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o artigo era bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal. Era ingênua, silábica, um pouco átona, até ao contrário dele: um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanáticos por leituras e filmes ortográficos. O substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos, num lugar sem ninguém ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a se insinuar, a perguntar, a conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice.

De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro: ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeça a se movimentar: só que em vez de descer, sobe e pára justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu aposto. Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela. Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar. Ela foi deixando, ele foi usando seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo, todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo direto.

Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele sentindo seu ditongo crescente: se abraçaram, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples passaria entre os dois. Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula: ele não perdeu o ritmo e sugeriu um longo ditongo oral, e quem sabe, talvez, uma ou outra soletrada em seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros. Ela totalmente voz passiva, ele voz ativa. Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais: ficaram uns minutos nessa próclise, e ele, com todo o seu predicativo do objeto, ia tomando conta dela inteira. Estavam na posição de primeira e segunda pessoas do singular, ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular.

Nisso a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo, e entrou dando conjunções e adjetivos nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tônica, ou melhor, subtônica, o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na história. Os dois se olharam, e viram que isso era melhor do que uma metáfora por todo o edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou, e mostrou o seu adjunto adnominal.

Que loucura, minha gente. Aquilo não era nem comparativo: era um superlativo absoluto. Foi se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado para seus objetos. Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo claramente uma mesóclise-a-trois. Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo, e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.

O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido depois dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou pela janela, e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva.

Agora, quem coloca ponto final sou eu. Ou melhor: coloco dois. Um, é para não perder a mania. Outro, é porque isso é um conto rápido, e não uma oração adjetiva explicativa.

** Homenagem a Miguelito Medeiros, que faz 35 anos hoje.

*** E ao Evaldo Tirbursky, que passou em Letras na Ufrgs.

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3 Comentários:

  • Quer dizer que ela perdeu a virgularidade? (ó, ingênua)
    Genial, Genial.
    bj

    Por Blogger ninguém, Às 22 de janeiro de 2008 às 13:18  

  • Gostei do conto, melhor foi reencontrá-lo. Um abraço. Felipe K.

    Por Blogger Unknown, Às 23 de janeiro de 2008 às 23:38  

  • Maristela: Antes de tudo, registro aqui nesse espaço a minha solidariedade diante das ofensas que recebeste por denunciar ao Ministério da Justiça os excessos do BBB 8 em teu blog Clínica das Palavras. E, pela repercussão na mídia, deu pra ver que não estás sozinha nessa luta, querida.
    Felipe K.: Você não imagina a alegria de ver sua mensagem postada em meu blog, eu que fiz parte do fã clube do teu, o La Vie en Blue, quando nos encantavas com tuas poesias ao mesmo tempo em que estagiavas em Medicina. Vi que estás de volta, torço para que seja em definitivo, grande amigo.

    Por Blogger Emanuel Gomes de Mattos, Às 24 de janeiro de 2008 às 21:03  

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