Blog do Emanuel Mattos

domingo, 23 de dezembro de 2007

Nunca te vi, sempre te amei *

Gabriel Pillar: capa de Zero Hora, fotografado por Carol Bensimon

Para ser lido com o fundo musical abaixo, indicado por Gabriel Pillar
: “Mas que beleza caminhar da Fabico até o centro ouvindo a NONA a todo volume, ajustando o passo ao som de piccolos e oboés. Wonder of a soundtracked life”, in 'Trilha Sonora', página 17 do livro ‘Gabriel Pillar’.



Trecho do filme "Minha amada imortal". Nele, Beethoven deixa em testamento tudo que possui para a amada, sem especificar seu nome. Um amigo do maestro inicia então a busca para encontrá-la.

Não encontrei a palavra exata para expressar o impacto que senti ao retirar a edição dominical de Zero Hora do saco plástico atirado no pátio de casa, sábado à noite, no subúrbio da zona sul de Porto Alegre.

A foto de Gabriel Pillar na Capa, feita por sua amiga Carol Bensimon, quando estiveram em Cidreira e Pinhal, e a manchete ‘Sonhos que o trânsito levou’, bem como a reportagem, nas Páginas 4 e 5, onde seu sorriso contrasta com a matéria ‘A vida interrompida...’, me fez rever o episódio ocorrido há exatamente um ano.

Nunca convivi com Gabriel. Lamentei ter perdido ao menos a oportunidade do corriqueiro contato virtual. Já o lia no blog Vertigo, hospedado no Insanus.org - criado por ele - mas não postei nenhum comentário.

Minha ligação se deu através do amigo Bruno Galera, cujo blog freqüentava desde que ele morava com os pais aqui no Espírito Santo, bairro que seu irmão Daniel Galera retratou no excelente livro ‘Mãos de Cavalo’.

O acidente que tirou a vida de Gabriel foi capa de ZH em 5/12/06, com a foto do Pálio espatifado no poste e o título: ‘Até quando nossos jovens vão morrer assim?’.

Nas páginas internas, o fato foi relatado em ‘Morte na madrugada’, com a entrevista de sua mãe, Mariza, que desabafou: ‘O que aconteceu foi uma estupidez’.

Nos dias seguintes, os amigos passaram a escrever depoimentos em seus blogs a respeito do vazio que a súbita perda de Gabriel representou em suas vidas.

Todos, sem exceção, transmitiram belos sentimentos. Foi como ligar uma corrente elétrica. Quem não conhecia Gabriel passou a amá-lo. Fiquei comovido.

Como forma de catarse, reuni os textos e procurei editá-los. Ao final, enviei-os para o Bruno Galera, que os repassou aos pais de Gabriel, Valério e Mariza.

O resultado da compilação encontra-se disponível no Metablog institucional do Insanus.org.

Ele serviu, segundo escreveram seus pais, como inspiração para o livro ‘Gabriel Pillar’, lançado dia 4 de dezembro, no Salão de Artes do DMAE.
Esteve lá uma centena de amigos de todas as gerações. Afinal, abracei pessoalmente Valério e Mariza e conversei com alguns responsáveis pela organização do livro, entre eles Marcelo Träsel e Marcelo Firpo.

John Lennon que me perdoe, mas em memória de Gabriel Pillar, reproduzo a seguir o e-mail enviado a seus pais quando finalizei a compilação. Quem ler os textos no Através do Espelho entenderá melhor.


Gabriel: a amizade não morre

(Em 4/1/2007)

Caro Valério,

Há 30 dias vocês convivem com a ausência do Gabriel.

Dediquei boa parte desse período ao resgate de tudo o que se publicou a respeito do vazio que sua ausência deixou nas comunidades que mantinha cativa, graças a tantas amizades.

Nos primeiros dias, dei ênfase aos fatos e repercussões.
Quando fiz o ajuste final, dediquei-me à releitura de outra forma. Passei a destacar o que, de fato, permanecerá.

Demorei mais do que imaginava porque – confesso – me emocionei.

Antes, anexava os depoimentos como quem apenas os cataloga. Agora tentei ser o mais cuidadoso possível. Por exemplo, havia o sempre citado Elvis - e nenhum texto. Afinal o localizei e pude encaixá-lo naquela foto que até então bailava solitária com o título “Corpo em chamas”. Casamento perfeito.

O mesmo ocorreu com outro amigo citado, Eduardo Menezes. Dele, enfim, localizei dois textos. Uma pequena, porém singela frase, que inseri na abertura, abaixo do título "Não te esqueceremos jamais!" e da foto com a tua dedicatória: "Estarás sempre conosco!"

Na seqüência da notícia publicada no Weblog Tiago Dória - “Os blogs brasileiros estão de luto” - anexei comentários de leitores de quem talvez Gabriel nem tenha conhecido e que já o admiravam.

Nesse ponto justifico minha dedicação a esse trabalho.

Estou certo de que vocês, Valério e Mariza, não perderem o Gabriel. Ao contrário, ganharam admiradores. Porque fizeram tudo direitinho para que ele tivesse um futuro brilhante. A fatalidade o arrancou desse plano.

Mas os amigos que ele fez, graças à educação que vocês lhe deram, esses permanecem para sempre.

Quem de fato o perdeu no que poderia significar em termos de crescimento ou valores humanos que Gabriel transmitia em cada projeto ou sorriso, foram seus amigos. A prova está nos depoimentos postados, que ontem foi difícil me conter ao relê-los.

E quem perdeu mais ainda foi a comunidade gaúcha, que possui raros Gabriéis com tamanha qualificação e domínio dessa ferramenta espetacular que é a Internet, cujos avanços diários tornam imprescindíveis quem transmita seus conhecimentos, a fim de dar acesso aos menos privilegiados.

Gabriel era um iluminado. Há aqueles que detêm o conhecimento, mas fazem disso monopólio, seja por timidez, vaidade, ganância, ou sei lá qual razão.

Ele, ao contrário, dividia, fazia questão de repartir com todos e de ampliar cada vez mais sua comunidade.

Por instinto, por intuição? Creio que era mais simples: por amor.

Certamente aí está a presença da família, o que só valoriza o mérito de vocês. Quem não for criado com amor, respeito e solidariedade não saberá transmiti-los como fez Gabriel em apenas 22 anos de vida.

Constatei esses fatos na leitura dos textos que me ajudaram a descobrir tarde demais um ser humano extraordinário, até então desconhecido - a não ser no Insanus.org - cujo potencial era de gênio.

Por isso, fiz questão de contribuir da melhor forma possível, ao editar todo o material que pude localizar a respeito dele.

Com um único objetivo: a fim de que nada do que se publicou a respeito dessa perda dilacerante e da importância que Gabriel, embora tão jovem, representava à comunidade, fique sem registro.

Dei ponto final ao trabalho perto do horário em que Gabriel Pillar, 30 dias antes, descia de carro pela lomba da Mostardeiro.

Quem ler de fio a pavio essa coletânea que seus amigos escreveram, em depoimentos de pura emoção, vai concluir que:

Naquela madrugada, Gabriel chegou em casa, Mariza.

E ainda vai ter vatapá na Silva Jardim,
Firpo.

E ele certamente fará o mestrado em Montreal,
Márcia.

E vais apertar e abraçar mais aquele menino, Joelma.

E te divertirás muito com a risada dele, Analú.

E continuarás aprendendo diariamente com ele,
Parada.

E compartilharás sentimentos e recordações,
Daniel.

E vais dançar logo a coreografia em chamas, Carol.


E cantarás de novo "A vida é injusta" dando risada,
ESG.

E ele te espera na primeira fila na formatura, Douglas.

E terá outras idéias loucas contigo,
Saulo.

E confia muito em ti, Antenor, mas vai postar!

E ele agora exigirá uma parte do Ursão,
Chiquinha.

E quer te ver rindo com a camisa do Insanus,
Alexandre.

E te dizer que o candidato dele era o certo,
Rodrigo.

E quer rir de novo do Exorcista Turco,
Gustavo.

E pretende lançar logo a banda de covers,
Bruno.

E terá outra partida de truco na praia, Elvis.

E foi bom demais conviver contigo, Vanessa
.

E a noite pede uma cerveja na calçada,
Marcelo.

E contribuições ao Insanus são bem-vindas,
Eduardo.

E quer te ver imitando tatuíras em Cidreira,
Carol.

E jamais irá te deletar do Insanus,
Hermano.

E foi um orgulho a monografia orientada pelo Alex Primo.

E a razão é simples. O Träsel
matou a charada:

"Amizade é isso: assimilar aspectos de uma outra personalidade é se tornar um pouco aquela pessoa. De certa forma, é como se esse ponto de intersecção entre sua personalidade e as de seus amigos fosse um filho seu com cada um deles."

Um grande e solidário abraço, Valério e Mariza.

* Título inspirado no filme 'Nunca te vi, sempre te amei', de David Hugh Jones, com Anthony Hopkins e Anne Bancroft.

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4 Comentários:

  • Estava aqui concentrado criando um cartão de Natal para enviar aos amigos e me deparei com tua mensagem "Nunca te vi, sempre te amei! E parei. Li, cada palavra, todas as virgulas e concluí: Sempre amei o Gabriel, também, mesmo sem nunca tê-lo visto. E você, Emanuel, eu posso ver e amar cada vez, meu eterno amigo!
    Um beijo, Deja

    Por Anonymous Anônimo, Às 23 de dezembro de 2007 às 20:08  

  • Emanuel. Falta meia horinha pro Natal que os homens dataram como tal. Aqui, já festejamos, pois meus pais são velhinhos e dormem cedo. Estou eu, Occhi, Dodô e Manu em casa, na santa paz. Logo, vou dormir. Mas antes quis te dizer que você já está eleito o padrinho do blog da Docinho por teu carinho declarado. Quanto a este post, apesar da dor inclusa, me faz dar graças a Deus por ter Lourenço e Manu com saúde por perto. Quer presente melhor de todos os natais?
    Beijo grande

    Por Blogger ninguém, Às 24 de dezembro de 2007 às 23:31  

  • ele era isso tudo mesmo. e valeu a retrospectiva. além disso, eu, que pude conferir tua compilação - a mesma enviada para os pais do gabriel, posso dizer que o material vale muito e imaginar a sensação que os pais dele tiveram ao ler. parabés, emanuel!

    Por Blogger Mari Dutra, Às 26 de dezembro de 2007 às 13:30  

  • a vida é assim. embora seja um risco, é por isso mesmo que vale a pena viver de modo tão intenso. :)

    Por Blogger Marcia, Às 26 de dezembro de 2007 às 15:56  

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