Blog do Emanuel Mattos

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Lição para não ser esquecida *

* Artigo da série: Jornalismo de Verdade (1)

Nesses dias cada vez mais atropelados pelos fatos, feliz de quem pode abrir espaço em sua agenda para a leitura atenta dos jornais. Bem-aventurado quem consegue tempo para interpretá-los, evitando ser induzido ao erro.

As lições são diárias e até seria recomendável que as faculdades de comunicação incluíssem em seus currículos esse saudável exercício de jornalismo comparativo.

Exemplo recente pode ser constatado nas manchetes das edições de dois jornais concorrentes em três dias consecutivos na semana passada, sobre o mesmo tema, o delicado momento econômico.

Dia 17 de julho - Correio do Povo: “Governo decide antecipar medidas para enfrentar crise Argentina”. Zero Hora conjecturou: “Três hipóteses para crise argentina definirão como ficará o dólar no Brasil”.

Dia 18 de julho - Correio do Povo: “Acordo na Argentina faz o dólar cair 3,8%”. Zero Hora interpretou: “Acordo na Argentina alivia pressão e o dólar desaba 3,7%” (detalhe é que embora a manchete “desabasse” o dólar, a mesma capa informava que “a queda ainda é pequena” (sic).

Dia 19 de julho - Correio do Povo: “BC aumenta taxa básica de juros para 19%”. Já Zero Hora dramatiza: “Ameaça de inflação eleva taxa de juros para 19%”. Como se observa, mesmos assuntos, tratamentos diferentes.

Tamanha criatividade não encontra apoio sequer no “Manual de ética, redação e estilo de Zero Hora”, que na página 64 recomenda: “Se os fatos se recusam a acontecer, não os force pela linguagem. Dê a devida e equilibrada dimensão a seu assunto ou notícia”.

A advertência deveria ser seguida à risca, pois não é tão distante o dia 24 de abril de 1990, quando Zero Hora sucumbiu a mais fantasiosa manchete de sua história, ao noticiar a desvalorização do cruzeiro (moeda da época) em 31,37%.

Tudo porque no dia anterior, o primeiro em que o mercado não esteve regulado pelo Banco Central, Zero Hora confundiu a variação do dólar turismo com a cotação do dólar comercial, que mantivera-se estável.

Conseqüência: tumulto no mercado financeiro, negócios com soja paralisados, queda na Bolsa de Chicago e exportadores indignados. Resultado: editor demitido, retratação na primeira página e credibilidade arranhada.

Quando foi publicada a tal “barriga”, jargão jornalístico para designar uma notícia errada, Helio Gama Filho escreveu, em sua coluna “O que há de novo”, no Jornal do Comércio: “As notícias econômicas tendem a repercutir com a mesma dramaticidade de sua importância”.

Onze anos depois, a sensação é de que essa dura lição parece ter sido esquecida, ou não foi bem assimilada.

É bom revivê-la, antes que algum piromaníaco torne a incendiar o circo.

* Publicado no site Coletiva.net em 20/07/2001

* Os comentários no post de 15/12/2007 mostram que não perdemos a capacidade de indignação. Foi a melhor notícia.

Marcadores: , , ,

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]



<< Página inicial