Blog do Emanuel Mattos

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Nós que o amávamos tanto *

Pedro Carneiro Pereira


* Da série: Confesso que vivi (1)

No dia 21 de outubro de 1973 testemunhei o mais impressionante impacto coletivo provocado pela notícia de uma morte que vi até hoje. Na minha frente, torcedores choravam como se tivessem perdido um familiar muito querido. Foi comovente.

Sempre adorei futebol, tanto que, embora gremista, naquele domingo assistia o jogo entre Internacional e São Paulo nas arquibancadas do Estádio Beira Rio.

De repente, a informação. No Autódromo de Tarumã, o Opala de Pedro Carneiro Pereira, o maior narrador esportivo que o Rio Grande do Sul já teve, havia se chocado violentamente com o de Ivan Iglesias.

Em alta velocidade, os dois carros decolaram, capotaram e incendiaram-se. O público acompanhou impotente os pilotos morrerem carbonizados.

Na época, eu tinha 21 anos, trabalhava em um banco e estudava na Famecos da PUC.

Em outubro de 1983, já no esporte de Zero Hora, como forma de homenageá-lo decidi ouvir relatos em que amigos e colegas de Pedrinho destacaram a dimensão da perda desse brilhante comunicador.

Editei o material em duas páginas geminadas, com o título principal: “Dez anos sem Pedro Pereira”.

Apenas um depoimento não foi assinado. Exatamente o meu. De propósito, para ser fiel à sensação vivida como um dos anônimos torcedores naquele dia.

Ao completar 30 anos do fato, voltei a publicá-lo, no Coletiva.net, quando assumi a paternidade do texto.

Em memória do inigualável Pedro Carneiro Pereira, reproduzo aqui:

Nós que o amávamos tanto

“Quando o locutor do serviço de alto-falantes do Beira-Rio anunciou, com voz lenta e grave, a morte de Pedro Pereira, a partida entre Inter e São Paulo, pelo Campeonato Nacional, estava em andamento.

Mas foi como se não estivesse.

Surpresas, aquelas milhares de gargantas dos torcedores emitiram um mesmo gemido, intenso e dolorido.

Ato contínuo, a Rádio Guaíba, onde Pedro Pereira comandava a equipe de esportes, saiu do ar.

O silêncio, ainda com a bola em jogo, foi quebrado pela característica da edição extraordinária da Rádio Gaúcha, cujo locutor repetiu a notícia.

Ao retornar para a transmissão, o narrador Luis Carlos Prates mal conseguia articular a voz e pediu perdão aos ouvintes pela emoção que o impedia de continuar.


Sentados nas arquibancadas, olhávamos em torno, desconcertados, quando o árbitro Arnaldo César Coelho, num gesto inusitado, interrompeu a partida e determinou um minuto de silêncio.

Depois o jogo continuou sem o mínimo interesse. Houve um gol do São Paulo, outro do Inter e o intervalo.


Alguns ficaram sentados, conversavam tristes. Outros foram até a copa para matar a sede, cabisbaixos.

Num canto, um torcedor segurava o rádio de pilha na mão esquerda, o copo de cerveja na direita e chorava.

Nós, que sequer conhecíamos pessoalmente Pedro Pereira, naquele momento nos sentimos órfãos, pois sabíamos que aquela voz vibrante, cristalina, única e incomparável, não mais seria ouvida ali no Beira-Rio ou em qualquer outro lugar.


Nunca, como naquela tarde, a cerveja morna do estádio desceu tão quente.”

* Publicado em Zero Hora (21/10/1983) e no Coletiva.net (22/10/2003)

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1 Comentários:

  • Emanuel. Eu trabalhava na rádio gaúcha, naquele tempo, acho que no jornalismo, com o Figueiredo. O José Carneiro Lopes, que era repórter, muito maluco, veio nos contar que estivera no IML e eu lembro de todos estarem chocados. Anos depois, eu casaria com um grande amigo do Pedrinho, que foi o cara que colocou o Edegar no esporte da Guaíba.
    Acho que nunca mais apareceu um narrador tão preciso e rápido.
    A vida passa correndo, amigo.
    bj

    Por Blogger ninguém, Às 19 de dezembro de 2007 às 20:37  

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