Blog do Emanuel Mattos

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Meu presente de Ano Novo


Não me despeço de nenhum ano como algo a ser exterminado. Nem festejo o futuro como bálsamo para solucionar problemas.

É equívoco cantar “Adeus ano velho, feliz ano novo” com desprezo ao passado e apostar tudo no que virá.

Alto lá!

O simples folhear do calendário não modifica a vida de ninguém como em um passe de mágica.

Chegamos até aqui do jeito que somos em conseqüência de acertos e erros cometidos lá atrás.

Não dá para mudar o passado, mas o bom senso sugere extrair ensinamentos. E corrigir, sim. Viver é um eterno aprendizado.

Exemplo: David Coimbra escreveu hoje na página 3 de Zero Hora a pungente crônica “Certa noite de chuva”.

Conto com o privilégio de sua sólida amizade há 22 anos, quando ele iniciou na profissão. Ao longo desse tempo conversamos sobre praticamente tudo.

Sempre houve, porém, um tabu: ele nunca disse uma palavra a respeito de seu pai.

O David conheceu bem minha adicção ao álcool. Fui ao fundo do poço, cometi desatinos. Até internei-me para tratamento, mas recaí e repeti insanidades.

Certa manhã, em novembro de 2005, ao acordar de uma ressaca braba, surgiu no espelho do banheiro um sujeito envelhecido, triste e sem perspectiva.

Ele parecia perguntar:

- E agora, José?

Naquele instante algo aconteceu. O fato é que respondi:

- Quer saber? Enchi o saco de beber.

Depois desse episódio quase surreal, nunca mais bebi.

O David relata nessa crônica magnífica que seu pai era alcoolista, o motivo de seu afastamento da família.

Meu pai também teve uma vida atribulada: trabalhava em três rádios e em um jornal de Florianópolis, mas adorava a boemia. A mãe descobriu que ele tinha uma amante, botou os três filhos em um ônibus de volta ao Rio Grande do Sul e nos internou em colégios onde passei nove dos primeiros 15 anos de vida.

Pouco depois, o brilhante homem de comunicações José Mauro, apresentador renomado de programa de auditório, recém saído da campanha que elegera o governador de Santa Catarina, Jorge Lacerda, morreu de derrame cerebral na plenitude dos 29 anos.

É provável que meu pai tenha precipitado seu final ao refugiar-se no trabalho e na farra para compensar o afastamento compulsório dos entes queridos.

Não posso afirmar se tal ocorreu com o pai do David.

Mas me preocupa ver que esse querido amigo - cuja foto aparece na coluna de ZH com o slogan da campanha contra os acidentes de trânsito “Isso tem que ter fim” – ufana-se de beber.

Antes o David não sabia dirigir, só bebia. Hoje ele tem carro. E bebe. É uma combinação que pode ser letal.

Quando bebia eu pilotava feito lunático – uma vez cruzei uma preferencial e acertei um táxi em cheio, com uma passageira. Por milagre ninguém se machucou.

Hoje sei que só escrevo essas linhas porque parei de beber e também deixei de dirigir.

Embora não sejam excludentes, ao readquirir a lucidez constatei como é irracional o trânsito de Porto Alegre.

Tenho esperança de que com tais decisões possa estender a passagem por esse plano em mais dez anos.

Sem resoluções de Ano Novo, foram tomadas em dias comuns. Nós é que podemos torná-los especiais.

Da vida aprendi que ninguém ama de verdade se antes não for capaz de se amar.

Não há bem maior do que a vida. E nada mais precioso do que receber e retribuir amor.

Em seu nome, o presente que gostaria de ganhar dos amigos seria tê-los por perto o maior tempo possível.

Para tanto, sugiro a decisão que tomei um dia, quando ninguém mais acreditava que pudesse fazê-la.

Terá sido o meu presente de Ano Novo.

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9 Comentários:

  • Emanuel amigo e colega de profissão, que muitas vezes me apoiou, seja com elogios ou com palavras de incentivo, agora também me dando essa lição de vida. Brilhante! Um forte abraço da Betânia

    Por Blogger Betania, Às 28 de dezembro de 2007 às 12:52  

  • Depois desse texto comovente e úmido não me resta alternativa: vendo Gol, ano 2001, em ótimo estado.

    Por Anonymous Anônimo, Às 28 de dezembro de 2007 às 13:23  

  • Emoção em dose dupla. Hoje pela manhã David Coimbra me deixou emocionado com sua crônica falando de seu pai. E agora tu, Emanuel, tão ou mais brilhantemente que o David abre teu coração. Como é bom ter amigos como vocês. Abraço, Deja

    Por Anonymous Anônimo, Às 28 de dezembro de 2007 às 15:37  

  • Eu não gosto desse colunista que você mencionou.

    Ele odeia vegetariano(a)s.

    Por Anonymous Anônimo, Às 28 de dezembro de 2007 às 16:49  

  • Emanuel
    Tenho acompanhado as colunas do David e já escrevi no seu respectivo blog que ele ficou mais humano (ou está admitindo mais isso) depois que "engravidou". E a coluna de hoje está fenomenal. Mas preocupante. Parece que ele tem sim algo a resgatar (mas isso é com ele)...Prá vc, cuja história eu já conhecia, o meu presente de Ano Novo é procurar lhe incentivar sempre nos teus textos, maravilhosos. Prá mim, digo que já tratei, em 2007, de viver o hoje e planejar o agora...Isso é a vida. bjs

    Por Blogger Marcinha, Às 28 de dezembro de 2007 às 18:37  

  • "Obrigado, mestre. São dois presentes ótimos: este texto brilhante e sua longa permanência neste plano. Beijo na aura. Eliziário."

    Por Anonymous Anônimo, Às 28 de dezembro de 2007 às 19:12  

  • Singela. Bela. Na pinta. Parabéns. A escolha do teu nome não foi por acaso, Emanuel. Abrs

    Por Anonymous Anônimo, Às 28 de dezembro de 2007 às 19:31  

  • Emanuel. Li o que o David escreveu e mais uma vez tive de admitir a assertiva que o sofrimento produz coisas belas em se tratando de arte. O artigo do nosso colega é uma pequena obra prima de sinceridade, transparência, simplicidade como há muito ele não fazia. Também fiquei chateada ao ler o final, uma aparente incoerência em relação ao resto do texto, ou seria um ato de rebeldia? Não sei.
    Sou uma caretona. Drogas, álcool, tudo isso me angustia. Não há família que não tenha sofrido alguma vez por causa de um ou outro ou de ambos. Só parando, como fizeste, para evitar a destruição de quem usa e dos que estão em volta. E isso é decisão para cada dia do ano.
    bj

    Por Blogger ninguém, Às 28 de dezembro de 2007 às 21:37  

  • Querido Emanuel! O meu presente foi a reaproximação, mesmo que virtual, com pessoas e colegas assim como o teu caso...Cada vez que passo por este espetacular espaço me surpreendo mais com teus textos e tuas lições de vida, especialmente para nós, teus amigos! Por estas e outras que tua amizade torna-se mais honrosa em minha vida!
    Feliz 2008 para nós..! bjbjb Tati FLôres

    Por Anonymous Anônimo, Às 2 de janeiro de 2008 às 14:38  

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