Blog do Emanuel Mattos

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Em memória de um grande jornalista *



A vida passa com a velocidade da luz.

Há pouco recebi mensagem no celular que dizia:

“Missa de um ano do pai hoje, 18h30min, na Catedral”. Chegou em meu visor às 17h52min.

Enquanto tentava localizar a autoria, abri o site Coletiva.net. E aí caiu a ficha. Dizia a nota:

‘Nesta terça-feira, 12, completa um ano que faleceu o jornalista Luiz Figueredo. Suas filhas e neto convidam amigos e colegas para missa em sua memória, que será realizada na Catedral Metropolitana de Porto Alegre.'

E a nota acrescenta: ‘Aos 61 anos, o profissional foi vítima de um infarto agudo no miocárdio. Figueredo foi colaborador e gestor dos principais veículos de comunicação do sul do Brasil, como Zero Hora, Correio do Povo, Diário Catarinense e Rede Pampa’.

À Terezinha, sua esposa e minha querida amiga, às filhas, à mãe, irmãos – e ao neto Bernardo, que recém completou um ano de vida -, lamento não ter prestado mais esta homenagem ao grande jornalista e amigo.

Resta-me o consolo de relembrá-lo ao postar esse texto que escrevi e foi publicado no Coletiva.net em 22/2/2007:

'O último desejo de Luiz Figueredo'

Bernardo Grinstein Figueredo veio ao mundo às 10h30min do dia 7 de fevereiro, com três quilos e 420 gramas, através de cesariana. Na foto acima, feita na estufa do centro obstétrico do Hospital Luterano da Ulbra, bairro Petrópolis, em Porto Alegre, estão, da esquerda para a direita, os corujíssimos avós Terezinha e Luiz; a tia de Bernardo, Ana Luiza; a irmã de Luiz, Maria da Graça (de óculos); e, apontando o dedo, a jornalista Bela, outra tia do recém-nascido.

Domingo de carnaval, dia 18, em sua casa, na rua Criciúma, bairro Guarujá, próximo ao rio Guaíba, ao lado das cinco filhas – Maria da Graça, 34 anos; Ana Luiza, 32; Bela, 30; Maria Inês (mãe de Bernardo), 27; e Ana Clara, 23, Terezinha olhava a foto emocionada e rememorava aquele dia que, jamais imaginava, seria tão especial:

- Estávamos ansiosos, era o primeiro neto, quando a Ana Luiza ouviu que o Bernardo havia nascido e veio nos contar. O Figueredo, que andava muito calado, saiu contente a ligar pra todo mundo. Só depois soubemos que ainda não era a hora do parto. Ele ficou um pouco apreensivo. Mas logo veio a confirmação e foi um grande alívio.

A foto aqui reproduzida infelizmente não faz justiça à euforia que tomou conta daquele senhor de camisa branca, semi-encoberto. Junto a Terezinha, de quem estava separado, aos 61 anos vivia a experiência de estrear o papel de avô. E o fazia como guri quando ganha brinquedo novo, ao disparar torpedos carinhosos através da vidraça:

- Como ele é lindo! Grandão! Tem uma cara de homenzinho! É o Bernardão!

Era o Figueredo ternura de tantos e tantos anos atrás, quando suas filhas pequenas circulavam em volta do pai na antiga redação de Zero Hora. Terezinha recorda que João Aveline dividia com ele os afazeres na chefia da redação na época. E costumava brincar a respeito do apego familiar do colega daquele jeito tão debochado e característico quanto saudoso do velho Aveline:

- O Figueredo parece um bugio; quando a gente se aproxima, ele levanta uma filha!

PROFUNDAMENTE RELIGIOSO

Há situações em que só se encontra resposta na espiritualidade. Ainda pequena, a filha mais velha, Maria da Graça, contraiu grave doença, que exigia rigoroso tratamento médico. Apesar do diagnóstico, o casal teve fé e fez corrente de orações ao Menino Jesus de Praga. Certo dia, após uma consulta, o médico anunciou que a menina estava curada. Terezinha e Luiz quase não acreditaram.

Figueredo era profundamente religioso. Foi católico, foi espírita, terminou luterano. Inesquecível a forma como se despedia das filhas:

- Que o anjo da guarda te proteja.

Afora a família, para quem dedicava todo amor, só tinha prazer no trabalho. Sua jornada raramente registrava menos de 15 horas diárias. Com o nascimento de Bernardo, Terezinha notou uma grande mudança de comportamento, tanto que andava muito calado:

- Nos últimos dias ele passou a ter pressa para resolver tudo.

O gordo Fig, apelido recorrente, sempre teve uma relação amistosa com a ex-esposa, mas, ao contrário do jeito expansivo com que tratava os amigos, era retraído na família.

Seu coração, emocionado com o título mundial do Inter - outra paixão - e o nascimento do neto, comoveu-se mais uma vez ao retornar à rua Criciúma depois de tanto tempo. Comemorou com seus colegas na Ulbra, conforme relato:

- Imaginem que depois de 18 anos almocei na casa da Terezinha!

Eufórico, projetava um futuro bem diverso da vida solitária que levava em sua casa de Canoas, ao lado do fiel cão capa-preta Jimmy. Nos planos, certamente estava incluído Bernardo:

- Esse meu neto veio para mudar a minha vida.

Não teve tempo. Na manhã de 13 de fevereiro, quando a faxineira tentou entrar na casa, Jimmy não deixou. Foi necessário um adestrador retirar o capa-preta a fim de permitir a remoção do corpo de Figueredo, que sofrera um ataque cardíaco em torno das 21h da noite anterior.

- As pessoas buscam explicações para sua morte; meu pai morreu porque era a hora dele – conforma-se a filha Bela.

MUITO MAIS QUE PAI

O legado material de Figueredo é modesto como a vida que levou.

- Ainda não estivemos na sua casa para recolher os pertences, mas tenho certeza de que não guardou nada do passado. Meu pai não vivia de recordações, para ele só importava o presente – assegura Bela.

Inestimável é o legado profissional de Luiz Figueiredo. Sua extensa e rica biografia, aliada à solidária presença de centenas de amigos nos atos fúnebres realizados no Crematório São José, o testemunham.

Na ocasião, Hamilton, o oitavo dos dez irmãos, leu um texto de autoria própria, que iniciou com a seguinte frase:

- Esta é a história de um garoto que desde pequeno esbanjava talento.

E finalizou comovente:

- Sua trajetória de vida representa todos aqueles valores que sempre foram cultivados dentro da nossa família. Luiz: te agradecemos por termos partilhado diversos momentos contigo!

Portanto, é fundamental registrar, com a devida ênfase, os atributos desse extraordinário ser humano. No Perfil de Figueredo (publicado no Coletiva.net em 02/10/2005), Bela escreveu no espaço destinado aos comentários: "... meu pai é o cara mais sensível e inteligente de que já tive notícia e isso não é Complexo de Electra mal resolvido".

Jornalista, Bela reafirma o ditado de que o fruto não cai longe do pé. Demonstra sagacidade quando racionaliza baseada em fatos para justificar seus argumentos. E presta um belíssimo tributo que transcende a figura paterna ao destacar a grandeza do homem:

- Meu pai viveu como quis, gostava de uma boa mesa, comeu a lata de figo que quis, com calda e tudo. Ele adorava trabalhar, nada lhe dava mais prazer. Sempre esteve presente nas nossas vidas. Fazia qualquer coisa para evitar que a gente passasse dificuldade. Muito mais que pai, foi amigo. Nossos amigos foram amigos dele, conversava e bebia com eles. Não tinha preconceito contra ninguém; para ele não havia gay, negro ou judeu, era todo mundo igual. Foi uma bênção ter sido filha dele.

A SABEDORIA DA MÃE

Na missa de 7º dia, realizada dia 19/2, na Igreja Santa Rita de Cássia, zona sul da capital, além de Terezinha e as filhas, compareceram seis dos nove irmãos de Luiz: a professora Maria da Graça, 58 anos; a advogada Suzana Maria, 55; o farmacêutico Marco Antônio, 51; o engenheiro agrônomo Hamilton, 50; a funcionária pública Simone, 42; e o empresário Alexandre, 36. Ausentes o engenheiro mecânico Francisco Sérgio, 59; o empresário Antônio Carlos, 57; e o engenheiro químico César Augusto, 54.

À frente do clã, a mãe Norma Biernfeld Figueredo, de 80 anos. Viúva do militar da Aeronáutica Francisco Furtado, autodidata e autor de três livros sobre magnetismo, antes de morrer, aos 75 anos.

Ativa freqüentadora da Ulbrati (sigla da Ulbra Terceira Idade). Tão atuante que, quando completou dez anos de convivência no grupo, escreveu o livro autobiográfico: "Sonhar é a arte de reinventar a vida".

Dona Norma, diz que Luiz sempre foi despojado, nunca de ostentar. A impor autoridade, preferia o diálogo. Nesse aspecto ela o comparou ao marido, que na família incentivava as conversas e aguçava a curiosidade a respeito dos mais variados assuntos. O que resultou nas escolhas dos filhos por diferentes profissões.

Catarinense nascida em Canoinhas e criada em Campo Alegre até os 20 anos, quando veio residir no Estado, a simpática senhora transmite uma exemplar lição de lucidez e sabedoria. Conforma-se com a perda do primogênito, sem deixar de ressaltar o significado de sua passagem pela vida:

- Guardo dele a imagem de um homem sereno, preocupado com a mãe e os irmãos, dedicado à família. Não tinha o raciocínio das pessoas comuns, era abrangente e agregador. Elegante no trato e no convívio, raramente dado a explosões. Meu filho era aquele tipo de gente que parece ter vindo ao mundo para cumprir uma missão; que se doa e é sugado até esgotar e quando a chama se apaga vai embora, mesmo jovem.

CINZAS AO MAR

Quem prestou atenção à primeira linha desse texto deve ter-se dado conta de que o netinho Bernardo recebeu 'Figueredo' como último sobrenome ao invés de 'Grinstein', que pertence ao pai. A mãe da criança, Maria Inês, justifica essa pequena subversão da ordem onomástica como uma derradeira homenagem:

- Tomei a decisão para que o nome do avô seja lembrado no futuro.

Há ainda o último desejo, que será cumprido neste fim-de-semana. As cinzas de Figueredo irão com as filhas até a praia de Ibiraquera, no litoral catarinense. Ele sonhava construir sua casa em um rochedo à beira do mar - por quem era apaixonado. Ali repousarão suas cinzas.

Haverá lágrimas no rito de despedida do amantíssimo pai Luiz José Biernfeld Figueredo.

Choro pelo pequeno Bernardo. Ele ainda não sabe o avô que per
deu.

* As cinzas de Luiz Figueredo foram depositadas durante cerimônia que reuniu familiares e amigos, no dia 3 de março, na Praia da Guarita, em Torres (RS).

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4 Comentários:

  • em nome da família, agradeço o carinho, meu querido. beijos.

    Por Blogger Bela Figueiredo, Às 12 de fevereiro de 2008 às 20:05  

  • Amigo. Tempo cruel, que passa tão rápido, leva nossos amigos e também nos dispersa até na hora de lembrarmos que se foram em determinado dia. Digo sempre que tive dois mestres no jornalismo: Luiz Figueiredo em rádio e Helena Lemos em jornal. Fig, ou Figo, como a gente brincava com ele, foi alguém que sempre me acolheu com os braços abertos em meus inícios de jornalismo. Depois, como sempre, a vida nos levou cada um pro seu lado. Nos revimos algumas vezes, não tantas quanto gostaríamos. Até que veio este dia triste. Taí mais um que faz uma baita falta no jornalismo e na vida de relação.
    abraços

    Por Blogger ninguém, Às 12 de fevereiro de 2008 às 20:14  

  • emanuel

    já tinha lido teu texto no coletiva e os comentários postados pela Bela (colega na assessoria da Prefa) no perfil do Figueiredo também no Coletiva. e não sei o motivo: só que desta vez me arrepiei tanto olhando a foto dele ali abraçado ao neto (isso q não o conhecia). é algo como a vida renascendo..muito estranho...e a gente perdendo tempo com tanto desamor...bjão

    Por Anonymous Anônimo, Às 12 de fevereiro de 2008 às 21:12  

  • Que lindo texto. Parabéns ! Estou encantado com a beleza poética e a força das sua suas palavras

    Por Anonymous Pr Maroel Bispo, Às 24 de junho de 2010 às 20:34  

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