Os 78 anos de um político digno *

Alguns amigos consideram mórbido o hábito que cultivo de escrever sobre os mortos. Costumo justificar que morto não fala, nem incomoda. E me faz bem recordar os bons exemplos deixados às novas gerações.
Hoje abro exceção para alguém que está vivo, saudável e muito lúcido. Por razões que passarei a justificar.
Pedro Simon completa 78 anos neste dia 31 de janeiro, motivo mais do que suficiente para recebeber as homenagens daqueles que defendem a ética na política.
Eleito para o Senado em 1978, Simon só não tem 30 anos no Congresso porque governou o Rio Grande do Sul entre 1987 e 1990. Mas em 2014 irá completar a impressionante marca de 32 anos naquele parlamento.
Sua carreira política iniciou em 1960, como vereador em Caxias do Sul pelo PTB. Em 1962 elegeu-se para a Assembléia Legislativa, onde permaneceu 16 anos.
Poucos sabem que a primeira disputa deu-se bem antes.
O conterrâneo caxiense Nestor Fedrizzi estudava com ele no Colégio Rosário, em Porto Alegre. Inconformado com a candidatura única ao grêmio, lançou o amigo na véspera e colou cartazes por toda a escola. “E foi eleito”, lembrava Nestor em 1986 quando coordenou a comunicação da campanha de Simon ao governo.
A ditadura que se instalou no país, em 1964, extinguiu o pluripartidarismo e permitiu a criação da Arena – Aliança Renovadora Nacional -, pela situação; e MDB – Movimento Democrático Brasileiro ('Modebras' era a sigla inicial que não vingou) -, pela oposição.
Com praticamente toda esquerda cassada ou exilada, o jovem deputado se empenhou em estruturar o partido no Estado durante os 20 anos do regime militar.
Em 1974, o MDB obteve 16 vitórias nas eleições realizadas para o Senado em 22 estados, fato que acelerou a reabertura democrática. Simon articulou a candidatura do ex-governista Paulo Brossard.
Cioso de sua obra, jamais permitiu que alguém lhe contestasse a liderança. Em 1980, não aceitou cerrar fileiras no partido fundado por Leonel Brizola - que levou para o PDT diversos correligionários, entre eles Alceu Collares, eleito para o governo em 1990.
Em 2001, entrou em choque com o ex-governador Antônio Britto, que se bandeou para o PPS junto com o senador José Fogaça, e outros menos votados. A troca resultou nas derrotas de Britto e Fogaça em 2002. E Simon lançou o deputado federal Germano Rigotto, que se elegeu depois de iniciar com 5% nas pesquisas.
Combativo, contesta abertamente os fisiológicos do PMDB nacional. E sequer foi cogitado pelos caciques para presidir o Senado depois que Renan Calheiros renunciou. Seu partido escolheu Garibaldi Alves.
Se dependesse do voto popular ganharia fácil. O jornalista Ricardo Noblat realizou a seguinte enquete em seu blog político. “Em quem você votaria para suceder Renan Calheiros na presidência do Senado?”
O resultado foi acachapante: Pedro Simon (PMDB-RS) 18.49%, Jefferson Péres (PDT-AM) 10.59%, Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) 10.22%, Demóstenes Torres (DEM-GO) 8.99% e Cristovam Buarque (PDT-DF) 8.67%
Lúcido, participou, dia 28 de janeiro, do Painel RBS denominado “O desafio das lideranças gaúchas no cenário nacional”. Contrariado com o rumo do debate, recusou-se a responder uma pergunta e convocou os presentes – entre os quais os ministros Tarso Genro e Dilma Rousseff – a se unirem por uma pauta única.
Depois de afirmar com desassombro que nem mesmo Getúlio Vargas ajudou o Estado quando esteve na presidência da República, Simon conclamou:
- Por que não nos unirmos todos em torno do Rio Grande? Vamos começar a compor agora, aqui, nessa reunião.
Por esse arrazoado, enfim, é uma questão de justiça reconhecer a relevância de sua trajetória e louvar as qualidades deste devoto assumido de São Francisco. Considerado o político mais ético do Brasil, chega aos 78 anos com a honradez e a dignidade intocadas, que o tornam exemplo a ser seguido por todas as gerações.
* A morte de João Hélio dos Santos, de seis anos, arrastado sete quilômetros pelo carro tripulado por assaltantes em fuga no Rio de Janeiro, em 7 de fevereiro de 2007, chocou o país. O senador Pedro Simon, que perdeu o filho Matheus em acidente de carro, leu comovido, na tribuna do Senado, dia 13 de fevereiro, a 'Carta aberta para Rosa Cristina', destinada à mãe do menino. Reproduzo abaixo os principais trechos que foram publicados no Correio Braziliense:

'Carta aberta para Rosa Cristina'
Mãe, conheço o tamanho da tua dor. Para mim é, também, uma dor vivida. A perda de um filho é, sem dúvida, o maior de todos os sofrimentos. Por que tamanha provação? Por que o anjo não te ajudou a desatar aquela simples fivela de um cinto de segurança, que permitiria devolver aos teus braços de mãe o pequeno João Hélio, para que ele permanecesse entre nós, dividindo e multiplicando sua alegria de vida?
É nesses momentos que nos sentimos ínfimos diante dos desígnios do Criador. É também nesses momentos que vemos o quanto a humanidade se distanciou da Sua obra.
Disseste: “Eles não têm coração”. Ao contrário, permitimos que florescesse, em muitos corações, nas favelas e nos palácios, a barbárie. É a humanidade, enquanto gênero humano, que se distancia dos seus próprios conceitos de benevolência, de clemência e de compaixão.
Que tuas lágrimas não se percam, apenas, nos índices de audiência e nos discursos de conveniência. Que elas mobilizem corações e mentes para a reconstrução dos valores que perdemos nessa travessia terrena.
Por mais que se tente considerar ultrapassados os discursos, como os meus, que pregam o resgate da humanidade, o teu sacrifício demonstra que eles são atuais e cada vez mais necessários.
Por isso, não mudei. Continuo vivendo os valores que herdei. Da família, da escola e da igreja. Para mim, não há diferença, na dor, entre o favelado que puxa o gatilho nas esquinas e o dirigente que manda despejar mísseis sobre cidades inteiras.
Quantas serão as mães de Bagdá, que choram a morte de seus pequenos inocentes, meninos da guerra, trucidados em nome do poder e da ganância? Em nome de Deus são todos, bárbaros, cruéis, desumanos.
É essa a minha luta: resgatar o verdadeiro sentido de humanidade. Que os homens retomem o projeto do Criador. Onde reina a barbárie, de nada vão adiantar novas leis que não se cumprem. Há que se ressuscitar as letras mortas. E isso se faz somente com o grito estridente das ruas.
Temo que a tua imolação seja esquecida quando a comoção dobrar a esquina. A tua dor, não. A dor por um filho é eterna. Mas há sempre, lá no mais fundo da nossa existência, uma imensa força, que nos faz pelo menos conviver com tamanho sofrimento. Essa energia, que é divina, nos ampara até o reencontro em outra dimensão.
Por isso as tuas lágrimas têm que irrigar a indignação. Quem sabe o sacrifício do teu filho signifique o renascimento de outros valores que não a barbárie.
Somos parceiros nessa dor. Quando conversares com o João Hélio, nos teus sonhos de mãe, diga-lhe que um menino alegre, feliz, bonito e inteligente como ele irá procurá-lo, entre todos os anjos. Diga-lhe que eles têm muito em comum na inocência de criança.
Ele partiu há alguns anos, mas, nas minhas mais belas lembranças, continua o mesmo guri que me encantava a alma. Também partiu precoce, como todas as vítimas de algum tipo de violência.
Diga-lhe que esse guri se chama Matheus. Eu já conversei com ele, nos meus sonhos de pai.
Um abraço fraterno do Pedro Simon.
Marcadores: Aniversário, Brizola, João Hélio, Simon