Blog do Emanuel Mattos

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Os 78 anos de um político digno *


Alguns amigos consideram mórbido o hábito que cultivo de escrever sobre os mortos. Costumo justificar que morto não fala, nem incomoda. E me faz bem recordar os bons exemplos deixados às novas gerações.

Hoje abro exceção para alguém que está vivo, saudável e muito lúcido.
Por razões que passarei a justificar.

Pedro Simon completa 78 anos
neste dia 31 de janeiro, motivo mais do que suficiente para recebeber as homenagens daqueles que defendem a ética na política.

Eleito para o Senado em 1978, Simon só não tem 30 anos no Congresso porque governou o Rio Grande do Sul entre 1987 e 1990. Mas em 2014 irá completar a impressionante marca de 32 anos
naquele parlamento.

Sua carreira política iniciou em 1960, como vereador em Caxias do Sul pelo PTB. Em 1962 elegeu-se para a Assembléia Legislativa, onde permaneceu 16 anos.


Poucos sabem que a primeira disputa deu-se bem antes.

O conterrâneo caxiense Nestor Fedrizzi estudava com ele no Colégio Rosário, em Porto Alegre. Inconformado com a candidatura única ao grêmio, lançou o amigo na véspera e colou cartazes por toda a escola. “E foi eleito”, lembrava Nestor em 1986 quando coordenou a comunicação da campanha de Simon ao governo.

A ditadura que se instalou no país, em 1964, extinguiu o pluripartidarismo e permitiu a criação da Arena – Aliança Renovadora Nacional -, pela situação; e MDB – Movimento Democrático Brasileiro ('Modebras' era a sigla inicial que não vingou) -, pela oposição.

Com praticamente toda esquerda cassada ou exilada, o jovem deputado se empenhou em estruturar o partido no Estado durante os 20 anos do regime militar.

Em 1974, o MDB obteve 16 vitórias nas eleições realizadas para o Senado em 22 estados, fato que acelerou a reabertura democrática. Simon articulou a candidatura do ex-governista Paulo Brossard.

Cioso de sua obra, jamais permitiu que alguém lhe contestasse a liderança. Em 1980, não aceitou cerrar fileiras no partido fundado por Leonel Brizola - que levou para o PDT diversos correligionários, entre eles Alceu Collares, eleito para o governo em 1990.

Em 2001, entrou em choque com o ex-governador Antônio Britto, que se bandeou para o PPS junto com o senador José Fogaça, e outros menos votados. A troca resultou nas derrotas de Britto e Fogaça em 2002. E Simon lançou o deputado federal Germano Rigotto, que se elegeu depois de iniciar com 5% nas pesquisas.

Combativo, contesta abertamente os fisiológicos do PMDB nacional. E sequer foi cogitado pelos caciques para presidir o Senado depois que Renan Calheiros renunciou. Seu partido escolheu Garibaldi Alves.

Se dependesse do voto popular ganharia fácil. O jornalista Ricardo Noblat realizou a seguinte enquete em seu blog político. “Em quem você votaria para suceder Renan Calheiros na presidência do Senado?”

O resultado foi acachapante: Pedro Simon (PMDB-RS) 18.49%, Jefferson Péres (PDT-AM) 10.59%, Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) 10.22%, Demóstenes Torres (DEM-GO) 8.99% e Cristovam Buarque (PDT-DF) 8.67%

Lúcido, participou, dia 28 de janeiro, do Painel RBS denominado “O desafio das lideranças gaúchas no cenário nacional”. Contrariado com o rumo do debate, recusou-se a responder uma pergunta e convocou os presentes – entre os quais os ministros Tarso Genro e Dilma Rousseff – a se unirem por uma pauta única.

Depois de afirmar com desassombro que nem mesmo Getúlio Vargas ajudou o Estado quando esteve na presidência da República, Simon conclamou:


- Por que não nos unirmos todos em torno do Rio Grande? Vamos começar a compor agora, aqui, nessa reunião.

Por esse arrazoado, enfim, é uma questão de justiça reconhecer a relevância de sua trajetória e louvar as qualidades deste devoto assumido de São Francisco. Considerado o político mais ético do Brasil, chega aos 78 anos com a honradez e a dignidade intocadas, que o tornam exemplo a ser seguido por todas as gerações.

* A morte de João Hélio dos Santos, de seis anos, arrastado sete quilômetros pelo carro tripulado por assaltantes em fuga no Rio de Janeiro, em 7 de fevereiro de 2007, chocou o país. O senador Pedro Simon, que perdeu o filho Matheus em acidente de carro, leu comovido, na tribuna do Senado, dia 13 de fevereiro, a 'Carta aberta para Rosa Cristina', destinada à mãe do menino. Reproduzo abaixo os principais trechos que foram publicados no Correio Braziliense:


'Carta aberta para Rosa Cristina'

Mãe, conheço o tamanho da tua dor. Para mim é, também, uma dor vivida. A perda de um filho é, sem dúvida, o maior de todos os sofrimentos. Por que tamanha provação? Por que o anjo não te ajudou a desatar aquela simples fivela de um cinto de segurança, que permitiria devolver aos teus braços de mãe o pequeno João Hélio, para que ele permanecesse entre nós, dividindo e multiplicando sua alegria de vida?

É nesses momentos que nos sentimos ínfimos diante dos desígnios do Criador. É também nesses momentos que vemos o quanto a humanidade se distanciou da Sua obra.

Disseste: “Eles não têm coração”. Ao contrário, permitimos que florescesse, em muitos corações, nas favelas e nos palácios, a barbárie. É a humanidade, enquanto gênero humano, que se distancia dos seus próprios conceitos de benevolência, de clemência e de compaixão.

Que tuas lágrimas não se percam, apenas, nos índices de audiência e nos discursos de conveniência. Que elas mobilizem corações e mentes para a reconstrução dos valores que perdemos nessa travessia terrena.

Por mais que se tente considerar ultrapassados os discursos, como os meus, que pregam o resgate da humanidade, o teu sacrifício demonstra que eles são atuais e cada vez mais necessários.

Por isso, não mudei. Continuo vivendo os valores que herdei. Da família, da escola e da igreja. Para mim, não há diferença, na dor, entre o favelado que puxa o gatilho nas esquinas e o dirigente que manda despejar mísseis sobre cidades inteiras.

Quantas serão as mães de Bagdá, que choram a morte de seus pequenos inocentes, meninos da guerra, trucidados em nome do poder e da ganância? Em nome de Deus são todos, bárbaros, cruéis, desumanos.

É essa a minha luta: resgatar o verdadeiro sentido de humanidade. Que os homens retomem o projeto do Criador. Onde reina a barbárie, de nada vão adiantar novas leis que não se cumprem. Há que se ressuscitar as letras mortas. E isso se faz somente com o grito estridente das ruas.

Temo que a tua imolação seja esquecida quando a comoção dobrar a esquina. A tua dor, não. A dor por um filho é eterna. Mas há sempre, lá no mais fundo da nossa existência, uma imensa força, que nos faz pelo menos conviver com tamanho sofrimento. Essa energia, que é divina, nos ampara até o reencontro em outra dimensão.

Por isso as tuas lágrimas têm que irrigar a indignação. Quem sabe o sacrifício do teu filho signifique o renascimento de outros valores que não a barbárie.

Somos parceiros nessa dor. Quando conversares com o João Hélio, nos teus sonhos de mãe, diga-lhe que um menino alegre, feliz, bonito e inteligente como ele irá procurá-lo, entre todos os anjos. Diga-lhe que eles têm muito em comum na inocência de criança.

Ele partiu há alguns anos, mas, nas minhas mais belas lembranças, continua o mesmo guri que me encantava a alma. Também partiu precoce, como todas as vítimas de algum tipo de violência.

Diga-lhe que esse guri se chama Matheus. Eu já conversei com ele, nos meus sonhos de pai.

Um abraço fraterno do Pedro Simon.

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quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

O fascinante mundo de Dennis D.

Finalizei o livro que me dei de presente de Natal. São 206 páginas de uma obra magnífica: “O Filho do Hipnotizador e outras histórias de estranhas pessoas”.


Seu autor, Dennis D. paulistano da gema, além de escritor, é músico e pintor. Um talento superlativo.

Alguns títulos dos contos são por demais instigantes: "Lili - a verdadeira história da mocinha condensada", "Uma empada chamada Elsie", "A bonequinha do Barão de Jaborandi", "Um certo Gato Ridente", "Eu li no Rádio", "O demônio tem asas brancas", "O despertar do macaco de barro", "O marido do Grande Chefe", "A velha de saia curta", "O lobisomem de L'Abernoise", "O anãozinho Bento Pinto", "As loucuras sexuais do Marquês de La Réglette" (um injustiçado!), "Uma vingança em Si Menor", "O sábio conselho do Dr. Caligut", "Se digo o que digo... é porque te adoro!", "Morte no Carrossel", "A virilha esquerda do jovem marido surdo".

É impossível deixar de se emocionar com a altíssima qualidade dos textos, a densidade das histórias e impactar com os finais surpreendentes de enredos fantásticos criados por sua imaginação fértil.

Dennis teve uma infância e adolescência povoada de livros – herdou uma biblioteca com cerca de sete mil exemplares. O resultado se constata ao ler os admiráveis contos em seu blog. E os dois livros: "O Filho do Hipnotizador" e Patinando com o Alter Ego”.

Nada do que leu compara a Prost. “Quantos homens e mulheres, agora mortos, pousaram seus olhos nas palavras de Marcel Proust, nas frases tão perfeitas, tão encantadoras, escritas àquele tempo das carruagens?”, questiona de forma instigante no prefácio.

Dono de fina ironia, revela em conversas virtuais aspectos de sua vivência cômica ou mesmo trágica. Como o Papai Noel pedófilo, um senhor de família tradicional que apanhou até se mijar ao ser descoberto. Ou um frade dominicano que lhe tascou um inacreditável beijo na boca no colégio onde estudava. Ou a perda do melhor amigo, Zeca, em acidente de moto quando ele se dirigia a seu encontro.

“A vida nos empurra para a descrença total no ser humano”, filosofa Dennis, que trocou a casa e a biblioteca imensa pelo apartamento no 13º andar da capital paulista, onde escreve reflexões notáveis.

“Não sei se há vício ou vulgaridade em toda escritura, mas sei que lidar com palavras atrai fantasmas de sentimentos, fantasmas de emoções assustadoras que vagueiam por aí, nos desvãos da quarta dimensão, a procura de um ser humano que esteja com a caneta entre os dedos ou, como é o meu caso, diante do teclado de um computador. E quando esses fantasmas se achegam... não há exorcismo que os afugente; a única alternativa que sobra ao ficcionista é a de entregar-se inteiramente ao seu ofício de criar novos mundos, novas pessoas e novas histórias.”

Ele já é bastante conhecido pelo impressionante blog que possui: "Dennis On The Net", onde enfeitiça – e cativa – graças aos contos notáveis e músicas que executa – muitas delas de sua própria autoria. Disciplinado, todas as noites tem aulas de música com um severo professor. Ao lapidar esse dom, produz obras belíssimas, disponíveis às visitas de bom gosto.

Seu blog figura entre os que o jornalista Ricardo Noblat recomenda. “Dennis D. escreve textos originais, regrava músicas, seleciona boas imagens e joga isso tudo em um blog muito bacana”, elogia Noblat.


Apenas como registro: o primeiro blog de Dennis D., criado em 2001, chamava-se "Caderno Mágico". Pode-se constatar que ali já esbanjava toda sua virtuose.

“O Filho do Hipnotizador” reúne 54 contos de tirar o fôlego. É um ato de amor à arte de escrever. Reproduzo o final do prefácio: “Assim é o universo da literatura ficcional: dadivoso, pleno de sensibilidade, rico de inesperados contrastes, um mundo que se recria todos os dias, bastando que exista um escritor disposto a escrever e um leitor disposto a ler”, sintetiza Dennis.

A fim de matar a cobra e mostrar o pau, tomo a liberdade - que não me foi concedida pelo autor (que, aliás, desconhece as inconfidências cometidas nesse post) – e reproduzo na íntegra o conto da página 81.


Optei por ter sido dos que mais me fascinou pela riqueza da narrativa "cujas escrituras permanecerão íntegras, legíveis, e contarão histórias fantásticas aos bisnetos dos nossos netos, e aos filhos deles, e aos que vierem depois", como diz no prefácio. Eis o conto:

"A puta que não pariu"

(ambientado nos anos 40 e no tempo atual)

Três jovens irmãs viviam num sobrado de esquina. O pai, modesto mestre-escola apaixonado pelos mitos greco-romanos, batizara-as com os nomes das três Graças, filhas de Zeus: Tália, Eufrosina e Aglaia.


Não tinham mãe, pois essa morrera de tifo, em 1928, algumas semanas depois de ter bebido um refresco preparado com xarope de orchata e – disse alguém - servido em caneca mal lavada. Também não tinham avós, nem tios, nem tias, nem primos em qualquer grau. Havia um padrinho aqui, duas madrinhas ali – é verdade – mas deles as meninas só recebiam cartões decorados com relevos de purpurina, nos aniversários e à época do Natal.


Tália, a mais velha, gostava de ler e de fazer cálculos aritméticos. “Quero ser professora e dirigir um grande colégio para moças!” – ela costumava dizer ao pai, que então suspirava satisfeito.

Eufrosina, a do meio, vivia a rir e a fazer bolos recheados com geléias. Seus prazeres moravam nas mesas bem postas, cobertas de iguarias afogadas em caldas de açúcar. “Quero ser doceira fina!” – Eufosina afirmava risonha, ao que o pai dava de ombros, indiferente.

Aglaia, catorze anos, era a mais bela das três, e também a mais graciosa, aquela que – por um dom natural – caminhava com leves passinhos de ninfa. Em segredo, para realçar ainda mais a formosura que Deus lhe dera, passava papel de seda vermelho nos lábios e escurecia os cílios com pozinho de carvão. Certa vez, quando estava a ajeitar rosas brancas num jarro verde, o pai lhe perguntou: “E tu, Aglaia, o que pretendes ser nesta vida?” Sem desviar os olhos das flores, ela respondeu, assim, naturalmente: “Puta! Quero ser puta!”

A bofetada a fez cair e rolar para debaixo da mesa. Assustada, Aglaia ergueu os braços trêmulos entrecruzados, para tentar proteger a cabeça. O pai se desfez de toda e qualquer piedade, quando desferiu o primeiro chute naquele ventre macio. Um, dois, três... foram nove chutes fortes, e o décimo só não veio porque um riachinho de sangue serpenteou no tapete.

Às oito da noite o doutor Azevedo cruzou a porta alta do sobrado. Depois de examinar a mocinha desfalecida, fez duríssimas recriminações ao mestre-escola. Condenou-o pela surra brutal que aplicara à filha, ameaçou levar o fato ao conhecimento do delegado, dr. Heliosmar Vasconcelos e, por fim, proferiu a frase mais terrível: “É muito provável que esta sua menina tenha perdido a capacidade de gerar filhos!”

O primeiro homem de Aglaia foi Hefaístos, o serralheiro. Não era macho bonito, nem feio, mas carregava consigo um cheiro só dele: de solda derretida e também de ferro em brasa. Aglaia deu-se a ele com todo o gosto, com a volúpia passiva de uma vaca no cio, que abre as carnes gulosas, molhadas frementes, para acolher o seu primeiro boizinho. Deu-se sem cobrar nada, não exigiu presentes, nem favores, mas foi assim apenas naquela vez. Das outras vezes, dava-se em troca de um par de brincos, pulseiras de contas de vidro, dois metros de cetim duchese, um batom carmim inglês...
Hefaístos fazia-lhe todas as vontades, todas, todas, até mesmo a de levá-la à zona de meretrício, onde Aglaia quisera ir para aprender a arte da fornicação galante.

Martha Debussy, velha rameira amasiada com um gigolô argentino, fizera-se sua professora mais competente. “Abra um pouco, assim, Aglaizinha, com o dedo indicador na borda, e depois solte de uma vez, com graciosidade! Não esqueça de abaixar o queixo e de sorrir timidamente! Vamos, faça tudo outra vez, mas agora sem afobações!” E mais: “Coloque esta ameixa na boca e role-a com a língua, lentamente, bem lentamente, sem babar!” E ainda: “Pouco antes de o cliente entrar, mastigue dois cravos-da-índia, a fim de perfumar o hálito. Nunca passe perfume pertinho da gruta, que amarga o gosto! Um lenço de musselina jogado sobre o quebra-luz é indispensável, mas sempre em tons de rosa, laranja ou vermelho – que realçam a beleza da pele – jamais em tons de azul, verde ou violeta, o que resultaria num aspecto cadavérico. Enquanto o cliente veste as calças, faça carinha tristonha e pergunte-lhe, sussurrando, quando o verá outra vez. Nunca toque diretamente em dinheiro diante de um cliente, mesmo que este seja mocinho sem barba. Indique um porta-jóias ou uma mesinha ao lado da cama, para que lá seja deixada a quantia. Lembre-se: apenas as putas polacas, as putas de cais de porto, as ordinárias, metem o dinheiro no rego das tetas – coisa anti-higiênica e de péssimo gosto.” Por fim: “Siga meus conselhos, pombinha branca, e você será a mais rica entre as nobres putas deste nosso Brasil.”

Três velhas irmãs ainda vivem naquele sobrado de esquina. Tália, a mais idosa, enterrou o marido e dois filhos homens. Os netos moram nos distantes grotões do Paraná. Os bisnetos, ela jamais os viu, a não ser por uma fotografia que já se fez gasta e engordurada. Contas, há muito não as pode fazer, pois a senilidade engoliu-lhe toda a memória das tabuadas.

Eufrosina, a do meio, não é sequer a sombra da mulher rotunda que fora na juventude. O diabetes roubou-lhe as carnes e a visão do olho esquerdo. Nunca se casou, mas teve uma filha a quem cobriu de mimos, e que depois sumiu no mundo, sem dizer adeus. Eufrosina ainda tem boa mão para os doces, e sabe fazer licores, e vinhos de frutas, e uma deliciosa champanha caseira. Vez por outra, lembra-se da filha perdida, chora três dias sem parar... depois esquece.

Aglaia poderia estar na Europa, vivendo em castelos, cercada de luxos... mas ficou no Brasil para cuidar das irmãs e dar-lhes uma velhice confortável. Sua fortuna, incalculável, brotada dos duzentos bordéis que espalhou entre Belo Horizonte e São Paulo cresce sem parar a cada pôr-do-sol. Ninguém mais a chama de Aglaia, e sim de Abigail Barbosa Leite, em cuja bela figura mal se adivinham sete décadas de fornicação galante.

Quando o relógio do salão bate cinco horas, suas alunas se achegam, uma após outra, trazendo cada uma delas um botão de rosa mais fresco, mais perfumado. Dona Abigail, a mestra generosa, sorri, aspira o perfume das flores e faz um gesto delicado, pedindo silêncio. Em seguida, dá início a mais uma aula, dizendo:

- Vocês são as minhas filhas do coração! As minhas filhinhas queridas, os meus mimos, as minhas princesinhas! Então... assistiram ao meu vídeo? Treinaram bem essa última lição? Maria Lúcia, mostre-nos como se encanta uma serpente...

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segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Um conto metalingüístico *

Ilustra o conto o curta-metragem metalingüístico "Aceita mais café?" (abaixo) dirigido por Byron O´Neill em 2004. Elenco: Byron O´Neill, Gisele Werneck, Grace Souza.



* Conto de Wagner Fornel, publicado em maio de 1992, quando era
redator da Heads Propaganda, em Curitiba.

Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o artigo era bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal. Era ingênua, silábica, um pouco átona, até ao contrário dele: um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanáticos por leituras e filmes ortográficos. O substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos, num lugar sem ninguém ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a se insinuar, a perguntar, a conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice.

De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro: ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeça a se movimentar: só que em vez de descer, sobe e pára justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu aposto. Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela. Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar. Ela foi deixando, ele foi usando seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo, todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo direto.

Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele sentindo seu ditongo crescente: se abraçaram, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples passaria entre os dois. Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula: ele não perdeu o ritmo e sugeriu um longo ditongo oral, e quem sabe, talvez, uma ou outra soletrada em seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros. Ela totalmente voz passiva, ele voz ativa. Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais: ficaram uns minutos nessa próclise, e ele, com todo o seu predicativo do objeto, ia tomando conta dela inteira. Estavam na posição de primeira e segunda pessoas do singular, ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular.

Nisso a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo, e entrou dando conjunções e adjetivos nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tônica, ou melhor, subtônica, o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na história. Os dois se olharam, e viram que isso era melhor do que uma metáfora por todo o edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou, e mostrou o seu adjunto adnominal.

Que loucura, minha gente. Aquilo não era nem comparativo: era um superlativo absoluto. Foi se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado para seus objetos. Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo claramente uma mesóclise-a-trois. Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo, e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.

O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido depois dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou pela janela, e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva.

Agora, quem coloca ponto final sou eu. Ou melhor: coloco dois. Um, é para não perder a mania. Outro, é porque isso é um conto rápido, e não uma oração adjetiva explicativa.

** Homenagem a Miguelito Medeiros, que faz 35 anos hoje.

*** E ao Evaldo Tirbursky, que passou em Letras na Ufrgs.

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quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Você tem a doença da pressa? *


Verão. É tempo de relaxar. E de ler muita abobrinha.

Um livro atraente para quem busca qualidade de vida é
Se tiver pressa, ande devagar, do dr. Lothar Seiwert.

Considerado um dos maiores especialistas no gerenciamento de tempo, foi o primeiro alemão a receber o prêmio internacional referente a treinamento, o Excellence in Practice (American Society for Training and Development), de Atlanta.

A obra é uma espécie de auto-ajuda para quem se sente sem tempo e tenta mostrar como pessoas com perfis diferentes lidam com o relógio. Até aqui só release.

Agora, a abobrinha. O autor propõe um teste que denomina: “Lista de verificação para diagnóstico da doença da pressa”. Resolvi transcrevê-lo aqui.

É a sua vez. Marque um ponto para cada afirmativa que estiver de acordo com seu modo de agir. Não minta.

1) Muitas vezes dirijo pelo menos dez quilômetros por hora mais depressa do que o permitido.

2) Interrompo outros e/ou concluo suas frases.

3) Em reuniões, fico impaciente quando alguém se afasta do assunto.

4) Tenho dificuldade de respeitar pessoas que quase sempre se atrasam.

5) Apresso-me para ser sempre um dos primeiros nas filas mesmo quando isso é desnecessário (por exemplo, desembarcar primeiro de um avião, por mais longa que for a espera pela bagagem).

6) Quando estou numa loja ou num restaurante, fico impaciente e me queixo, ou até vou embora se o atendimento demorar mais que alguns minutos; para mim, tempo é dinheiro!

7) Considero aqueles que falam, agem ou decidem devagar como menos capazes; admiro quem consegue acompanhar meu ritmo acelerado. Orgulho-me de minha rapidez, eficácia e pontualidade.

8) Considero o “não fazer nada” um tremendo desperdício de tempo.

9) Orgulho-me de ter tudo pronto dentro dos prazos e deixaria de melhorar um produto se isso significasse um atraso.

10) Geralmente incito meus filhos e meu/minha parceiro/a a se apressarem.

Totalize os pontos obtidos. Veja a
“Avaliação”:

0 a 3 pontos: Parabéns! Você apresenta todas as condições de assumir encargos de maneira saudável e adota a máxima: “a força está na tranqüilidade”.

4 a 6 pontos: Você vive numa zona de perigo: analise bem nossas propostas e empenhe-se em adotar um equilíbrio maior entre situações estressantes e correspondentes a programas compensatórios (descanso, descontração, psico-higiene).

7 e mais pontos: Você está com a doença da pressa em nível preocupante! Reduza já seu número de rotações antes que seja tarde demais.

Cá entre nós, se você ficou na turma de 0 a 3 pontos, é provável que seguiu o conselho do filósofo Confúcio: “Escolha um trabalho que goste e não terás que trabalhar nem um dia na vida”.

Caso tenha se encaixado na segunda opção (entre 4 a 6 pontos), o bestsellerSe tiver pressa, ande devagar” poderá lhe prestar ajuda inestimável.

No entanto, se estourou a boca do balão (acima de 7 pontos), não perca tempo com o livro. Tente surfar ou vá atrás de sereias, delfins, botos e baleias.

Enfim, pire na batatinha. Antes que seja tarde.

J
esus tá te chamando.




Música da banda mineira Pato Fu: “Sobre o Tempo”.

* Para Eduardo, que me ensinou a não ter pressa.

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segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Pato, patati, patatá...

Quem viu, viu!

Pato fez história nesse domingo em San Siro.

Jogador algum exibiu tanto talento na estréia.

O palco perfeito teria sido o Teatro alla Scala.



Taí o seu primeiro gol no campeonato italiano.

Observe a alegria dos colegas e o choro do guri.

A torcida do Milan cantou para ele, emocionada.



"Sou Alexandre Pato, fenômeno é Ronie", diz
(acima).

Mas lembrei do risco de julgar na primeira impressão.


No vídeo abaixo há uma série de situações exemplares.



Divirta-se. E tomara que não se repita com o craque.

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terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Onde foi que eu errei?



Atenção: não pirei! Ainda.

Mas corro seriamente o risco frente ao calor que tem encostado nos 40 graus em Porto Alegre.

E me dou conta de que metade da cidade está no Litoral.

A maioria nas praias chinelonas do Rio Grande do Sul.

Não os invejo.

Tanto que vou ajudar. Pedi ao amigo Bruno Galera autorização para postar seu texto que já virou clássico.

Ele foi publicado no blog Big Muff, intitulado:

Dossiê Fraude sobre se dar bem no Litoral

Leia atentamente as instruções. São preciosas.

Já os pobres coitados, obrigados a enfrentar essa canícula na cidade porque durante o ano gastaram em:

1. Bebebeiras abundantes (olha a cirrose!);

2. Festas familiares e farras em geral;

3. Vícios, tipo cigarro e drogas (viu no que deu? tu aqui e o 'vapor' na praia);

4. Indo a todos os jogos do Inter;

5. Indo a todos os jogos do Brasil, de Pelotas *;

6. Indo até a todos os jogos do Grêmio;

7. Comprando CDS (baixa da Internet, cabeção!);

8. Deu esmola nas sinaleiras, pra contrariar aquela campanha tri educativa da Zero Hora;


9. Outro carro! (esse só pra passear com os cachorros);

10. Pagou R$ 300 ao mês pelo pacote completo da Net;

11. Assinou Zero Hora (leia na Internet, vizinha!);

12. Freqüentando bingos;

13. Indo pro motel com quem conheceu nos bingos;

14. Em jogos de azar (bicho, caça-níqueis, loterias, palitinho, cuspe à distância);

15. Apostou em corridas (hipódromo é onde o cavalo corre e o burro joga);

16. Sustentou a namorada que ia 'ficar' contigo no verão, despachou a patroa pra Tramandaí mas a guria se mandou com um playboy. Às tuas custas, tiozão;

16. E a madame que investiu no personal trainer, fez até lipo e alugou casa em Torres pra malhar com o gurizão? Ele deu cano e ainda foi surfar com a filha dela na Pinheira. As amigas consolam: homem é tudo igual.

Se você não se enquadrou em nenhum dos ítens, pense em quais bobagens desperdiçou seu dinheiro em 2007.

Lembrou?

Agora olhe abaixo atentamente as imagens de algumas das melhores praias do Planeta. É uma bela viagem!



Escolha uma delas e repita comigo (tipo "O Segredo"):

- Deu pra ti, baixo astral. Ano que vem vou para essa praia, bem distante do calor infernal de Porto Alegre.

Mentalize a tal praia. E bote fé, afinal é o que nos resta.


Se tivermos juízo, quem sabe a gente se encontra nela.

Até lá!

* Em homenagem ao xavante Fabrício Cardoso.

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sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Quero meu dinheiro de volta *

Iniciei 2008 decidido a cortar gastos. Não é tarefa fácil. Paguei o IPTU antes do prazo a fim de ganhar o desconto de 20%, diminui o valor do cheque especial e restringi as opções do pacote caríssimo da Net.

Também resolvi cancelar um dos jornais que assino. Olhei meu extrato: já foram cobrados adiantados 19,00 mensais ao Correio do Povo e 49,90 para Zero Hora.

Pelo valor, a escolha deveria ser óbvia. Há, porém, outros componentes. Procurei ser criterioso.

Zero Hora custa o dobro, mas oferece ótimas opções de colunistas: Verissimo, Paulo Sant’Ana, David Coimbra, Sérgio Faraco, Martha Medeiros, Flávio Tavares, Falcão, Sérgio da Costa Franco, Cláudia Laitano, Mário Marcos, Dione Khun, Márcio Pinheiro, Lurdete Ertel, Wianey Carlet, Luiz Zini Pires e Nílson Souza, entre outros.

Já o Correio possui menos alternativas interessantes nessa área. Perderia as colunas de Juremir Machado da Silva, Elio Gaspari, Denise Nunes e Hiltor Mombach.

Então comparei o noticiário das últimas edições.

Embora ZH tenha 48 a 64 páginas em média e o Correio entre 24 e 28 – sem contar os cadernos e classificados - a escolha foi fácil. Justifico:

Correio do Povo de 28 de dezembro traz na capa a manchete: “Russos planejam investir no RS”. Reproduzo o início da matéria:

“Uma planta industrial para a montagem, no Rio Grande do Sul, de veículos destinados às Forças Armadas está em negociação, há vários meses, entre o governo do Estado e a estatal russa Rosoboronex. O grupo russo é uma holding controladora de empresas, entre as quais a Lada, a Helicopter MI e a fabricante de aviões Mikoyan-Gurevich (MIG).”

Detalhe: a fonte é a própria governadora Yeda Crusius.

Zero Hora desta data: nenhuma linha a respeito.

Correio do Povo, 3 de janeiro. A capa estampa foto do presidiário mais famoso do Estado, Cláudio Adriano Ribeiro, o Papagaio, sorridente, com o polegar erguido. Na página 25, uma sensacional entrevista à repórter Luciamem Winck.

O título principal é “Papagaio: crime é viagem sem volta”. A linha de apoio: “O criminoso se diz arrependido, promete sair da cadeia pela porta da frente e não mais tocar em arma”.


Na segunda retranca, “Meta é continuar vivo e ter vida normal”, cinco declarações em destaque:

“A droga é o passaporte para o crime”.

“Nunca deixei que ninguém da minha família entrasse para essa vida bandida”.
“Vou ter força e continuar lutando de cabeça erguida para reconquistar a minha liberdade”.
"No sistema penitenciário quem quer mudar precisa lutar por si”.

E a lição final: “O ser humano tem uma capacidade enorme para fazer tudo o que quiser, inclusive errar. Mas quando quer, tem condições de mudar”.

Zero Hora desta data: nenhuma linha a respeito.

Correio do Povo do mesmo dia 3 de janeiro. Taline Oppitz inicia a coluna Panorama Político com a nota “A metralhadora giratória de Dirceu”. Seu conteúdo:

“A revista Piauí deste mês, que chegou ontem às bancas de São Paulo, traz entrevista bombástica com o ex-ministro José Dirceu. Em 12 páginas, ele não poupou detalhes de elementos de sua relação com o Planalto, atacou correntes internas do PT e revelou conversas com o empresário Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, filho do presidente Lula.

O deputado Raul Pont também não escapou das críticas: "Ele fica falando que o partido não precisa de coligação. Tenha paciência. O que fizemos por esse pessoal não é brincadeira e eles não ajudam nada, só dão pau."

E continuou. Segundo Dirceu, a construção da sede do PT em Porto Alegre "foi feita só com dinheiro de caixa 2. Era uma mala de dinheiro". A revista chega ao Estado na segunda-feira - finaliza a colunista.

Zero Hora desta data: nenhuma linha a respeito.

Diante do quadro, decidi: mantenho a assinatura do Correio e passo a ler os articulistas de ZH na Internet.

Assim vou economizar mais 49,90 por mês.


E quero o valor que paguei em janeiro de volta.

* Homenagem à Vick, que vai desfilar pela Mangueira.

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terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Tirem as crianças da sala!

O ano que inicia terá pelo menos três fatos marcantes previamente agendados:

1) Os Jogos Olímpicos de Pequim;
2) A eleição para presidente dos Estados Unidos e...
3) Eleições para prefeito em todas as cidades brasileiras.

Não é por falta de atrações que vamos morrer de tédio.

Como todo mundo está de ressaca no primeiro dia de 2008, quem sabe o vídeo abaixo anime um pouco.

Pensei duas vezes, pois o assunto é
jornal de ontem, mas lembrei que há um ano a modelo Daniela Cicarelli impediu a exibição das cenas calientes com o namorado Renato Malzoni em uma praia da Espanha.

Decidi mostrá-lo porque o
You Tube assegurou esse direito, apesar da ação movida pela
ex-vj da MTV.

Taí o vídeo, sem censura (até prova em contrário).




O vídeo acima voltou a ser retirado do ar no início de fevereiro. Em seu lugar, exibo a paródia realizada sobre o tão falado 'namoro da' Daniela Ciccarelli. O vídeo inicia com um sujeito que canta ao violão como se fosse o Fenômeno, seu ex-marido: - Quando o cara te coxou/ o espanhol tava filmando/ na beira do mar...

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